Espaço de discussão e reflexão sobre a experiência do olhar e suas reverberações no corpo na construção/remontagem do espetáculo de dança contemporânea "feche os olhos para olhar" da desCompanhia de dança.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Hoje eu te vi pela primeira vez

Hoje eu te vi pela primeira vez, depois da última vez que te vi. Parece redundante eu te dizer isso, mas, lembro-me bem da última vez que te vi e sei que foi a última vez.
Na última vez que te vi, você estava de lilás. Um vestido até os joelhos e um par de meias listradas. Não me lembro a cor, mas, eram listradas. Tenho certeza, pois, fui eu quem lhe deu as meias para combinar com o vestido. Isso foi na última vez que te vi e, pela primeira vez, não te vi mais.
Dessa vez, eu te vi pela janela, como da última vez, quando te chamei e você ainda se arrumava para mim pela última vez. Lhe dei as meias que você combinou com um vestido, e com uma pequena bolsa a tiracolo você já se preparava para pular a janela, quando se deu conta dos sapatos, que pela última vez eu vi ao lado da cama, que coberta com uma colcha de retalhos coloridos escondia nosso barco.
Teve uma vez, não a última, nem a primeira, que navegamos em nossa cama em direção ao “nunca ido”. Você concordou, eu relutei. Foi a primeira vez que lhe disse não, mas não a última. Foi a primeira vez que você me olhou nos olhos e disse: “Que não seja a última vez”. E não foi. Mais algumas vezes nós nos permitimos navegar sem que você soubesse onde jamais iríamos chegar. Nunca vi nosso barco atracar, apenas navegar, e navegar, e navegar...
O sol, a primeira vez que não se pôs à nossa frente, pintou de baunilha um pedaço do nosso sempre. E, também, foi a primeira vez da primeira vez que me apaixonei por você. Apaixonei-me, ainda, mais três vezes por você. Até onde me lembro bem, e espero que não seja a última vez...

(Otávio Linhares)

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