Espaço de discussão e reflexão sobre a experiência do olhar e suas reverberações no corpo na construção/remontagem do espetáculo de dança contemporânea "feche os olhos para olhar" da desCompanhia de dança.

domingo, 22 de novembro de 2009

A mente apaga registros duplicados | Por Airton Luiz Mendonça

desCompanhia, recebi esse artigo via e-mail, gostei muito. Tentei localizar um site, blog ou coluna do Airton Luiz Mendonça e não encontro. Existem trocentos blogs com esse artigo, maioria dizem que o texto foi retirado do jornal O Estado de São Paulo. Bom, serei mais um a postar nessa rede, pois acredito que é interessante para a nossa pesquisa. Yiuki
A MENTE APAGA REGISTROS DUPLICADOS

O cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos. Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem nenhuma mobília, sem portas ou janelas, sem relógio você começará a perder a noção do tempo.
Por alguns dias, sua mente detectará a passagem do tempo sentindo as reações internas do seu corpo, incluindo os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.
Isso acontece porque nossa noção de passagem do tempo deriva do movimento dos objetos, pessoas, sinais naturais e da repetição de eventos cíclicos, como o nascer e o pôr do sol.
Compreendido este ponto, há outra coisa que você tem que considerar:
Nosso cérebro é extremamente otimizado.
Ele evita fazer duas vezes o mesmo trabalho.
Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia.
Qualquer um de nós ficaria louco se o cérebro tivesse que processar conscientemente tal quantidade.
Por isso, a maior parte destes pensamentos é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo.
É quando você se sente mais vivo.
Conforme a mesma experiência vai se repetindo, ele vai simplesmente colocando suas reações no modo automático e 'apagando' as experiências duplicadas.
Se você entendeu estes dois pontos, já vai compreender porque parece que o tempo acelera, quando ficamos mais velhos e porque os Natais chegam cada vez mais rapidamente.
Quando começamos a dirigir automóveis, tudo parece muito complicado, nossa atenção parece ser requisitada ao máximo.
Então, um dia dirigimos trocando de marcha, olhando os semáforos, lendo os sinais ou até falando ao celular ao mesmo tempo.
Como acontece?
Simples: o cérebro já sabe o que está escrito nas placas (você não lê com os olhos, mas com a imagem anterior, na mente);
O cérebro já sabe qual marcha trocar (ele simplesmente pega suas experiências passadas e usa , no lugar de repetir realmente a experiência).
Ou seja, você não vivenciou aquela experiência, pelo menos para a mente. Aqueles críticos segundos de troca de marcha, leitura de placa são apagados de sua noção de passagem do tempo.
Quando você começa a repetir algo exatamente igual, a mente apaga a experiência repetida.
Conforme envelhecemos as coisas começam a se repetir - as mesmas ruas, pessoas, problemas, desafios, programas de televisão, reclamações, enfim as experiências novas (aquelas que fazem a mente parar e pensar de verdade, fazendo com que seu dia pareça ter sido longo e cheio de novidades), vão diminuindo.
Até que tanta coisa se repete que fica difícil dizer o que tivemos de novidade na semana, no ano ou, para algumas pessoas, na década.
Em outras palavras, o que faz o tempo parecer que acelera é a rotina.
A rotina é essencial para a vida e otimiza muita coisa, mas a maioria das pessoas ama tanto a rotina que, ao longo da vida, seu diário acaba sendo um livro de um só capítulo, repetido todos os anos.
Felizmente há um antídoto para a aceleração do tempo: M & M (Mude e Marque).
Mude, fazendo algo diferente e marque, fazendo um ritual, uma festa ou registros com fotos.
Mude de paisagem, tire férias com a família (sugiro que você tire férias sempre e, preferencialmente, para um lugar quente, um ano, e frio no seguinte) e marque com fotos, cartões postais e cartas.
Tenha filhos (eles destroem a rotina) e sempre faça festas de aniversário para eles, e para você (marcando o evento e diferenciando o dia).
Use e abuse dos rituais para tornar momentos especiais diferentes de momentos usuais.
Faça festas de noivado, casamento, 15 anos, bodas disso ou daquilo, bota-foras, participe do aniversário de formatura de sua turma, visite parentes distantes, entre na universidade com 60 anos, troque a cor do cabelo, deixe a barba, tire a barba, compre enfeites diferentes no Natal, vá a shows, cozinhe uma receita nova, tirada de um livro novo.
Escolha roupas diferentes, não pinte a casa da mesma cor, faça diferente.
Beije diferente sua paixão e viva com ela momentos diferentes.
Vá a mercados diferentes, leia livros diferentes, busque experiências diferentes.
Seja diferente.
Se você tiver dinheiro, especialmente se já estiver aposentado, vá com seu marido, esposa ou amigos para outras cidades ou países, veja outras culturas, visite museus estranhos, deguste pratos esquisitos em outras palavras V-I-V-A. !
Porque se você viver intensamente as diferenças, o tempo vai parecer mais longo.
E se tiver a sorte de estar casado(a) com alguém disposto(a) a viver e buscar coisas diferentes, seu livro será muito mais longo, muito mais interessante e muito mais v-i-v-o do que a maioria dos livros da vida que existem por aí.
Cerque-se de amigos.
Amigos com gostos diferentes, vindos de lugares diferentes, com religiões diferentes e que gostam de comidas diferentes.
Enfim, acho que você já entendeu o recado, não é?
Boa sorte em suas experiências para expandir seu tempo, com qualidade, emoção, rituais e vida.
E S C R EVA em tAmaNhos diFeRenTes e em CorES di f E rEn tEs !
CRIE, RECORTE, PINTE, RASGUE, MOLHE, DOBRE, PICOTE, INVENTE, REINVENTE...
V I V A !!!!!!!!
Fonte: Airton Luiz Mendonça

sábado, 7 de novembro de 2009

FOTOGRAFIA – exercício de descondicionamento do olhar, por Claudio Feijó.

Achei interessante o exercício abaixo, por isto posto aqui. Quem quiser ver o artigo inteiro chamado “O Corpo Desgrupalizado” é ótimo.  Existe mais detalhes sobre a oficina dele neste site.
“… grande parte do nosso repertório para a leitura visual esta no corpo, inscrito, impregnado. Proponho que as pessoas leiam as imagens só de primeiro olhar e depois sugiro que fiquem na posição corporal do fotografado. Logo após momentos de silêncio e de introspecção peço que as pessoas percebam e tonifiquem as posturas imitadas sugeridas na imagem. Aos poucos elas voltam dessa viagem interna e começam a falar de como vêem a imagem, agora vivenciada. A experiência é incrível. A leitura amplia e toca fundo.”

FLUXO DO PENSAMENTO

desCompanhia, esse é um material de psicologia que há tempos tinha postado no meu blog pessoal. Creio que pode fazer um link com o conceito da imanência e transcendência do Merleau-Ponty. Na verdade ele serve como uma ferramenta para a transcendência da percepção.
A mente possui duas características de análise inicial do mundo externo:
Mente Una x Dual
A forma como ordenamos essas informações no segundo instante altera a nossa percepção do mundo. Modificar com a própria vontade o percurso dessas sinapses é um exercício que possibilita maior consciência do mundo.
Fluxos
P.S. Às vezes precisamos colocar em suspensão a emoção para sentirmos leve, dessa forma conseguimos enxergar o todo.
Yiuki

O CORPO PERCEBIDO, por Denise da Costa Oliveira Sirqueira

desCompanhia, deixo o texto que encontrei no site do idança.
Coloco-o na integra, pois são tantos os termos e referências que creio que são importantes para a nossa pesquisa. Att. Yiuki
Refletir sobre a dança contemporânea em sua multiplicidade de formas é exercício complexo que exige a leitura de diferentes teorias, buscando em cada uma delas elementos complementares. Pensadores como Marcel Mauss, Michel Foucault, Maurice de Merleau-Ponty e Pierre Lévy observaram o corpo e construíram idéias importantes e ao mesmo tempo bastante distintas que podem ajudar a entender as mensagens “das entrelinhas” das danças.
O corpo é elemento fundamental na dança e toda sua história cultural, social, biológica se reflete nos movimentos que faz. Movimentos coreografados ou espontâneos deixam entrever aspectos da cultura na qual está inserido aquele que se move. A forma como um coreógrafo e seu intérprete percebem o mundo se apresenta em sua dança.
O filósofo Maurice de Merleau-Ponty dedicou parte de sua obra a reflexões sobre o corpo, o que permite construir pontes em relação à dança. O filósofo analisou o que chamou de consciência perceptiva, complementar à consciência representativa. Segundo Merleau-Ponty, a percepção é sempre consciência perceptiva de alguma coisa e nela não se pode separar o sujeito e o objeto – como fazem as ciências naturais e as ciências sociais de base positivista. Na percepção, as decomposições analíticas são precedidas pela imagem do todo. Assim, a percepção do espetáculo de dança, por exemplo, seria sempre a percepção de um todo, composto por movimento, coreografia, espaço, tempo, gestual, corpo, bailarino, platéia.
Em toda percepção, afirma Merleau-Ponty, tem-se o paradoxo da imanência (o imediatamente dado) e da transcendência (o além do imediatamente dado). Imanência e transcendência são os dois elementos principais, estruturais de qualquer ato perceptivo. Assim, o objeto percebido não é de todo estranho ao sujeito que o percebe (imanência). Por sua vez, toda percepção de alguma coisa significa uma não-percepção de algo que está para além do imediatamente dado (transcendência). Na realidade, segundo o filósofo, os dois elementos não são mutuamente contraditórios, pois toda vez que se tem consciência de alguma coisa, está aberta a possibilidade de não-consciência de aspectos relacionados àquele objeto percebido. Assim, retomando o exemplo da dança cênica contemporânea, em um espetáculo percebe-se algumas coisas enquanto outras deixam de se apreendidas.
Em Fenomenologia da percepção, o autor explica que considera seu próprio corpo como seu ponto de vista sobre o mundo (1971, p.83). Assim, tem consciência de seu corpo através do mundo e tem consciência do mundo devido a seu corpo (1971, p.95). Mas, a forma como se percebe o mundo e seus fenômenos também está vinculada à cultura e à sociedade. Dessa forma, a percepção nunca poderia ser “neutra”, imparcial ou pura. Ela sofre influências, contágios culturais e sociais. Nem a ciência estaria livre para entender o corpo de modo neutro: também ela é passível de interpretação e toda interpretação parte de um repertório de saberes, de conhecimento, de cultura.
O filósofo também entende que o corpo sintetiza a ambigüidade (imanência/transcendência) do ser no mundo. Para Merleau-Ponty, o corpo é forma de expressão, pleno de intencionalidade e poder de significação. Cada movimento, cada gesto produzido é também pleno de sentidos, portanto, “o sentido dos gestos não é dado mas compreendido, quer dizer, retomado por um ato do espectador” (1971, p.195). Assim, o intérprete, em um dado espetáculo, transmite algum sentido através de seus movimentos e o espectador, ora na função de receptor, o entende de determinada forma, segundo seu repertório cultural de informações. Desse modo, “o gesto está diante de mim como uma pergunta, ele me indica alguns pontos sensíveis do mundo, ele me convida a encontrá-lo lá. A comunicação se completa quando minha conduta encontra neste caminho seu próprio caminho. Há confirmação do outro por mim e de mim pelo outro” (id).
Natureza e cultura, assim como sujeito e objeto, não podem ser dicotomizados na visão do filósofo. Esse ponto de vista – que se coaduna com o do sociólogo Marcel Mauss – se reflete em sua visão sobre o corpo. Assim, o corpo não pode ser entendido simplesmente como organismo. Ele também é cultura, transcendendo o aspecto físico: “O uso que um homem fará de seu corpo é transcendente com respeito a este corpo como ser simplesmente biológico”(1971, p.199). Se o corpo não é puramente biológico, os comportamentos dele derivados também não podem ser. Comportamentos, são a um só tempo biológicos e culturais. Os movimentos e os gestos, da mesma forma.
O pensamento de Merleau-Ponty – assim como o de Mauss, que propôs o conceito de fato social total – é importante para evitar o reducionismo na análise de fenômenos relacionados ao corpo, herança do olhar positivista do século XIX. A partir do que escreveu pode-se pensar os movimentos dançados como fruto de experiência vivida, percebida, tanto quanto comportamentos, movimentos e gestos de fora da cena. A platéia percebe o espetáculo, podendo transcender o que é apresentado no palco.
Maurice Merleau-Ponty aprofundou a reflexão iniciada pelo filósofo Baruch Spinoza. Em Fenomenologia da percepção, ao estudar o comportamento, mostrou que existe relação entre psiquismo e fisiologia em toda conduta humana; analisou o corpo no que tange à percepção ilusória, referindo-se ao “membro fantasma” – memória residual do uso das partes do corpo, informações arquivadas pelo cérebro que perduram em um corpo mutilado (caso de pessoas que sentem dores como se ainda tivessem partes já extirpadas de seu corpo).
A psicologia também permitiria compreender esse fenômeno de forma mais complexa. O corpo não seria apenas um objeto físico e sim, “aparência” de uma interioridade. Intrinsecamente ligado a esta interioridade, o corpo se transforma em um instrumento com o qual o homem habita o mundo e a ele pertence.
Do ponto de vista de Merleau-Ponty, consciência e corpo são inseparáveis. Assim, viver seria estar no mundo, refletindo-o e nele se refletindo. A percepção seria a chave para esse entendimento e a construção da realidade. Como a percepção se dá através do corpo, este seria, simultaneamente, sujeito e objeto. O filósofo tenta solucionar tal dualidade através de uma unidade de abstração: o corpo como “coisa pensante” e “objeto pensado” ao mesmo tempo, ou seja, o que pensa e sente e o que se torna objeto de pensamentos. Essa dupla propriedade o coloca na ordem do objeto, de um lado, e na ordem do sujeito, de outro, mas sem dissolvê-lo, sem desagregar as duas propriedades.
Assim, a partir dessas reflexões pode-se entender que a contribuição que o pensamento de Merleau-Ponty traz para o universo da dança cênica contemporânea é, principalmente, a possibilidade de se pensar as artes corporais como espaço de expressão e de construção de pensamento – objeto e sujeito de cultura percebido diferentemente por quem cria, quem executa e quem assiste a um espetáculo. Daí deriva a riqueza tão grande da arte de dançar e criar dança.
Referências bibliográficas:
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: (_____). Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974a. v. II. p. 209-234.
_____. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: (_____). Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974b. v. II. p. 37-184.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. A dúvida de Cézanne. In: Textos selecionados. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Col. Os Pensadores)
_____. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971.
_____. O primado da percepção e suas conseqüências filosóficas. Campinas: Papirus, 1990.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Olhar – Sergio Fingermman

Me ensinaram a olhar.
Olhar para alguma coisa e ter a
Sensação de que
O olhar circunscreve algo,
Como faz o círculo,
Onde cada coisa vista, real, fica presa.
Por muito tempo, de diversas
Formas,
Persegui esse real,
Procurando, numa espécie de
Justeza para com as coisas,
Dar testemunho do que me acontecia.
É preciso para isto muita atenção,
Persistência, rigor.
É preciso ver diferentemente do
Que se vê.
Ver o que é anterior à vontade.
Enxergar no visível sinais invisíveis.
Ver o que está em estado puro.
Ver o ver.

Poesia anotado na exposição “Elogio ao Silêncio – e outras fábulas” do Sergio Fingermann no MON, dia 01/11/2009.  Yiuki
Site oficial: http://www.sergiofingermann.com.br/

Silêncio – Sérgio Fingermman

Se nos calarmos, outros ruídos começam.
Às vezes, eu me calo, pois as palavras nos
Tornam surdos de cegos.
Eu me dou conta de que a cada ano tenho
Falado mais baixo, mais lentamente.
As pausas tem sido mais longas entre as
Palavras, as frases, as silabas.
O silêncio dá significado às palavras, às imagens.
Foi sempre assim?
Como isso se passava em outros tempos?
Desde quando o tempo fez-se espaço?
O silêncio faz um lugar?
Que escadas, que andaimes constroem o silêncio?
Onde o silêncio principia?
Onde ele começa é claro ou escuro?
É no silêncio que se ouvem as vozes dos deuses?
Que lugar faz o silêncio?
Poesia anotado na exposição “Elogio ao Silêncio – e outras fábulas” do Sergio Fingermann no MON, dia 01/11/2009.  Yiuki

domingo, 1 de novembro de 2009

Olhar, visão, memória do olhar e mais coisas…

desCompanhia, estava pesquisando na internet e encontrei um artigo do Centro Reichiano de psicologia corporal daqui de Curitiba.  Na introdução encontrei definições que podem ser relevantes à nossa pesquisa. O artigo como todo é interessante, então deixo o link aqui para quem queira ler na integra. 
“Queremos definir olhar. Primeiro diferenciando-o da visão. A visão é o ato ou o efeito de ver, função sensorial operada pelos olhos sob os efeitos da luz. O olhar é dirigir os olhos para alguém, um objeto, objetos diversos ou para si mesmo, sabendo distinguir cada objeto e diferencia-los de si mesmo.
Diferente é a memória do olhar. A memória do olhar para nós é uma das funções do olhar. Nossa memória não reproduz com exatidão, mas reconhece com nitidez um objeto olhado, uma sensação vivida. Nossa memória nem pode reproduzir as imagens com exatidão porque ela precisa se apropriar dessas imagens e sons para construir diversas funções psíquicas como, por exemplo, os mecanismos de defesa.
E isso só se torna possível porque somos seres carregados energeticamente. Através dos vários movimentos energéticos conseguimos ligar e desligar, apreender, reter, representar, dentre outros movimentos dinâmicos.
Nossa hipótese é que os olhos e a pele são uma única coisa. Um precisa do outro para funcionar, captar, processar, significar. É impossível vivermos sem pele. E se vivemos sem o olho órgão, temos a pele que faz a função da percepção. E cremos que ela só é possível porque envolvendo nossa pele, temos um corpo energético que faz parte desse invólucro. Invólucro que faz parte de uma grande cadeia energética.
Esse corpo que acima de tudo é energético pode se expandir, encolher, transformar e transmutar. Sua velocidade é tão grande que ainda não inventamos nenhuma maquina capaz de medi-la.” (Frinéa Brandão)
Deixo abaixo alguns pensamentos surgidos enquanto lia o artigo:
  • Ver-se ignorado pelo olhar do outro é doloroso: Acho que pode ser um tema fértil para o espetáculo.
  • O olhar e a condição esquizofrênica: Aqui a mesma coisa, percebo um lugar engraçado, irônico, pungente que pode ser pesquisado.
  • O olhar possui a forma captadora, receptora, assim como sua forma ativa, expressiva: Gosto da definição, de repente servirá para o projeto escrito.
  • Relações afectivas determina a captação receptora do olhar: Achei  terreno fértil para fazermos laboratórios. Mesmo tendo medo desses buracos negros do processo de criação, hoje compreendo que isso pode trazer material particular,  original e sincero à obra final.
Att. Yiuki

A arte de ver – Rubem Alves

(texto retirado do site oficial do Rubem Alves: http://www.rubemalves.com.br/aartedever.htm)
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria! Aconteceu, entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Entretanto, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente a cebola, de objeto a ser comid,o se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora tudo o que vejo me causa espanto...” Ela se calou esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui até a estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: “...rosa de água com escamas de cristal...” Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver.”
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física ótica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física. William Blake sabia disso é afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei isso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos sinto-me como Moisés, diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de usa casa, porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
A Adélia Prado diz: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. O Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso é afirmou que a primeira tarefa da educação era ensinar a ver. O Zen Budismo concorda e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no Zen Budismo mas o fato é que escreveu “ Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram...”
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus Ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão “os seus olhos se abriram”. Vinícius de Moraes adota o mesmo mote no “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia, eles um humilde operário, um operário em construção”.
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na Caixa de Ferramentas eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas quando os olhos estão na Caixa dos Brinquedos eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na Caixa de Ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na Caixa dos Brinquedos são os olhos das crianças. Para ter olhos brincalhões é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas...”
Por isso, porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver, eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar para os assombros que crescem nos desvão da banalidade cotidiana. Como o Jesus Menino do poema do Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos...”
Rubem Alves

Sobre ciência e sapiência – Rubem Alves

desCompanhia, sou fã desse cara, vocês já sabem, segue outro material para nossa pesquisa ;) Também deixo o link do site oficial dele: http://www.rubemalves.com.br/ Yiuki
fotorubem1000 Muitas pessoas não gostam do que escrevo. Dizem que o que eu faço não é ciência; é literatura. É verdade. Faz tempo que me mudei da caixa de ferramentas para a caixa dos brinquedos. O que me aborrece é que esses que não gostam do que escrevo pensam que somente a ciência tem dignidade acadêmica. Houve mesmo o caso de uma candidata ao mestrado que teve seu projeto recusado por me citar demais e por propor um assunto que não era científico. Psicóloga e pedagoga ela sabia por experiência própria do poder do olhar. Há tantos olhares diferentes! Há o olhar de desprezo, de admiração, de ternura, de ódio, de vergonha, de alegria... A mãe encosta o filhinho na parede e, a um metro de distância, lhe estende os braços e diz sorrindo: “Vem”. Encorajada pelo olhar a criança, que ainda não sabe andar, dá seus primeiros passos. Há olhares que dão coragem. E há olhares que destroem. Aquele olhar terrível da professora que olha para a criança de um certo jeito, sem nada dizer. Mas a criança entende o que o seu olhar está dizendo: “Como você é burra”... Há olhares que emburrecem. Voltando à metáfora do pênis, há olhares que o tornam impotente, tanto no sentido literal quanto no sentido metafórico. Acho que era isso que a Adélia tinha em mente quando escreveu maliciosamente: “E o meu lábio zombeteiro faz a lança dele refluir...”
O olhar é real. É real porque produz efeitos reais. O olho é também real. Sobre ele se pode ter conhecimento científico. Há uma ciência dos olhos. Há uma especialidade médica que se dedica a eles: a oftalmologia. Mas, por mais que procuremos nos tratados de oftalmologia referências ao olhar, não encontraremos nada. O olhar não é objeto de conhecimento científico. Nem tudo o que é real pode ser pescado com as redes metodológicas da ciência. Há objetos que escapam pelos buracos de suas malhas. Será possível fazer uma ciência dos olhares? Tratá-los estatisticamente? Não tem jeito. Aí a proposta de uma tese sobre o olhar foi rejeitada sob a justa alegação de que não era científica. E não era mesmo. Mas o fato é que os olhares são reais! O estudo dos olhos é tarefa da ciência. E por isso eu sou agradecido. Nesse momento estou usando óculos para escrever. Sem eles eu só veria borrões. Mas eu me dedico ao olhar, para que meus olhos sejam sábios. O olhar é uma musica que os olhos tocam. Coisa de poeta... São os poetas que falam sobre os olhares. ( Eu escrevi “ são os poetas que sabem sobre os olhares” – mas logo corrigi. Todo mundo sabe sobre os olhares. Todo mundo observa atentamente os olhares porque são eles, e não os globos oculares, que sinalizam a vida e especialmente o amor... Mas só os poetas sabem falar sobre eles). Escrevo para mudar olhares. Isso não é ciência. É arte. Há olhos perfeitos que são armas mortíferas. Jesus se referiu a esses olhos e sugeriu que deveriam ser arrancados. Os olhos, eles mesmos, são estúpidos. Eles não têm o poder para discriminar as coisas dignas de serem vistas das coisas não dignas de serem vistas. Para eles tanto faz ver um programa idiota de televisão quando uma tela de Vermeer. A capacidade de discriminar não pertence aos olhos. Pertence ao olhar. Mas isso exige uma luz interior.
Se os olhos não serviram como metáforas, falarei sobre pianos. Mais precisamente, sobre os pianos Steinway, os mais perfeitos, que estão nas grandes salas de concerto do mundo. Os pianos Steinway são produzidos de forma absolutamente rigorosa e científica. Tudo neles tem de ter a medida exata. Todos têm de ser absolutamente iguais, para que o pianista não estranhe. Mas um piano, em si mesmo, é estúpido. Falta-lhes o poder de discriminação. Os pianos obedecem tanto a um toque de macaco, de um louco ou do Nelson Freire. Os pianos não são fins em si mesmos. São ferramentas. São construídos para tornar possível a beleza da música. Mas a beleza não é um objeto de conhecimento científico. Ninguém pode ser convencido a gostar de Bach por meio de raciocínios científicos. Não me consta que nenhum dos especialistas em construção de pianos da fábrica Steinway jamais tenha dado um concerto. Ciência eles têm. Mas falta-lhes a arte. Para que o piano produza beleza há os pianistas. Mas os pianistas nada sabem sobre ciência da construção dos pianos. O que eles sabem é tocar piano, coisa que não é científica... Os fabricantes de piano moram na caixa de ferramentas. Os pianistas moram na caixa de brinquedos.
A diferença está entre “ciência” e “sapiência”. Os teólogos medievais diziam que a ciência era uma serva da teologia. Parodiando eu digo que a ciência é uma serva da sapiência. A ciência é fogo que aumenta o poder dos homens sobre o mundo. A sapiência usa o fogo da ciência para transformar o mundo em comida, objeto de deleite. Sábio é aquele que degusta. Mas se o cozinheiro só conhecer os saberes que moram na caixa de ferramentas é possível que o excesso de fogo queime a comida e, eventualmente, o próprio cozinheiro...
Rubem Alves
http://www.rubemalves.com.br/sobrecienciaesapiencia.htm